SOLITUDE


by Constança Babo, for ARTECAPITAL, September 2016


Dia 29 de Setembro, a Kubikgallery deixa-se invadir por uma nova luz e cor. Tendo convidado o artista Sérgio Fernandes para produzir um trabalho novo, desenvolvido especialmente para esta ocasião, João Azinheiro trás, para a sua galeria, um conjunto de obras que promete conquistar o espetador.

Foi num estado e momento de solitude, de maior intimidade, enquanto aguardava que a luz do dia se escondesse para permitir o revelar da escuridão da noite, que, subitamente, o artista encontrou o título mais adequado para a obra que, agora, nos apresenta.

Solitude é um trabalho composto por um conjunto de pinturas, cada uma existindo por si mesma, com uma energia e identidade própria e funcionando como objetos artísticos únicos, com valor individual. Não obstante, quando as peças se encontram e são reunidas para serem expostas, podendo ser apreendidas e recebidas como um todo, ganham uma nova e mais intensa expressão. As obras alimentam-se umas das outras, aumentando o impacto visual que provocam no espetador.

Observando-as separadamente, verifica-se como a variação dos formatos entre cada pintura proporciona impressões e experiências distintas. Aquelas que apresentam dimensões mais reduzidas detêm uma maior característica de objetos pela relação que, fisicamente, estabelecem com o espetador. Em relação às maiores, uma delas chegando a alcançar os 200x170 cm, mostram-se avassaladoras e interpelam quem as contempla com uma força que prendem o olhar e a atenção. Não obstante, apesar destas variantes, todas comunicam entre si e são cativantes e sedutoras.

As paredes brancas da Kubikgallery e o seu percurso labiríntico parecem conferir o envolvimento necessário às obras do artista, não permitindo que estas se percam no espaço. Cada peça pode ser devidamente observada e sentida, sendo que as cambiantes cromáticas que compõem todo o trabalho são transmitidas de forma harmoniosa, através de uma simplicidade na escolha da cor e subtileza na variação do tom. O efeito que a obra induz no olhar é o mesmo que ocorre com a luz e a cor, sendo estes dois elementos e duas grandes forças que movem o artista.

Nesta medida, as pinturas de Sérgio facilmente podem assemelhar-se a registos de luz. Através da tinta e da tela, vê-se produzido aquilo que Wolfgang Tillmans concebe no seu trabalho mais recente [1]. Entre estes dois artistas há uma certa proximidade nos resultados visuais que nos suscitam e na sensibilidade da produção artística. Contudo, os autores distinguem-se claramente na motivação que os conduz e no meio que utilizam. Tillmans, como a maior parte dos artistas que procura captar a luz e a sua manifestação através da cor, utiliza a fotografia, o mais fiel modo de captação. Apesar disso, a pintura é uma prática artística que sempre procurou expressar esse mesmo elemento tão importante e que constitui toda a imagem. É pela escolha deste caminho e na sua dimensão mais abstrata, que Sérgio prova a possibilidade de trabalhar a luz de modo singular e exímio.

O seu trabalho é, precisamente, um exemplar de pintura abstrata, no qual pode ser sentida uma aproximação à obra de Rothko, influência que o jovem artista assume e com quem partilha a valorização da cor sobre a ideia de qualquer registo do real. Posto isto, Sérgio apresenta, de modo inovador, uma espécie de luz pictórica, um produto da sua imaginação despoletado pela observação da luz e da cor. O resultado é, por tudo isto, especial, singular e valioso.

Também particular é a forma como se apresentam as telas. Estas, suportes que concedem às peças o caráter tridimensional de completos objetos artísticos, apresentam nas laterais o rasto das tintas que assinala o fim do gesto do processo de produção. Deste modo, manifesta-se um vestígio da ocorrência, do momento da ação e cada peça contém uma inscrição do seu próprio tempo.

Em relação às pinturas em papel, diferenciam-se pelo que suscitam no espetador. Através de margens brancas que se aproximam de uma ideia de molduras, podem ser interpretadas como janelas para a criação artística de Sérgio, para o mundo do artista, do seu imaginário, talvez até do seu sonho. Esse caráter onírico que se revela acompanha, na realidade, toda a exposição. O encantamento das peças, da relação entre cada uma e as que a precedem e sucedem, manifesta-se quase como poesia ou música.

Em simultâneo, as emoções do espetador são despertadas. A cor contribui para isso mesmo, pois não é só uma impressão provocada pela luz quando se reflete nos corpos, mas também estimula reações, sentidos e emoções.
Algo que esta obra potencia ao explorar a cor deste modo tão sólido e consistente.

O artista explica o seu trabalho [2] numa dimensão mais profunda, como fruto da sua condição no mundo, a qual se resolve na pintura. É através do suporte, do óleo e da aguarela, que, nas várias obras, o artista expande a sua existência. O trabalho emerge, assim, como um reflexo da sua vivência ou, até, como uma extensão dele próprio, manifestando-se através de um resultado que, suscetível de múltiplas interpretações, facilmente se relaciona com o espetador, este último convidado a fazer parte de uma plena experiência sensorial e estética.

E se, como Sérgio acredita, a pintura, no seu estado mais pleno, é o inefável, podemos também entender esta Solitude como um estado onírico ou transcendental. Como uma oportunidade de, por instantes, abandonarmos a nossa realidade física e nos deixarmos ir, nesta contemplação, para uma outra esfera do mundo e de nós mesmos. É esta particular possibilidade que, para além de conferir imenso valor a cada pintura, torna a exposição tão cativante e importante de ser visitada.

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