Sérgio Fernandes, Dias Bárbaros


by Joana Duarte, November 2022


Escute, meu chapa: um poeta não se faz com versos. É o risco, é estar sempre a perigo sem medo, é inventar o perigo e estar sempre recriando dificuldades pelo menos maiores, é destruir a linguagem e explodir com ela. Nada nos bolsos e nas mãos. Sabendo: perigoso, divino, maravilhoso.
Poetar é simples, como dois e dois são quatro sei que a vida vale a pena etc. Difícil é não correr com os versos debaixo do braço. Difícil é não cortar o cabelo quando a barra pesa. Difícil, pra quem não é poeta, é não trair a sua poesia, que, pensando bem, não é nada, se você está sempre pronto a temer tudo; menos o ridículo de declamar versinhos sorridentes. E sair por aí, ainda por cima sorridente mestre de cerimônias, “herdeiro” da poesia dos que levaram a coisa até o fim e continuam levando, graças a Deus.
E fique sabendo: quem não se arrisca não pode berrar. Citação: leve um homem e um boi ao matadouro. O que berrar mais na hora do perigo é o homem, nem que seja o boi. Adeusão (14/09/1971 – 3a feira).


Pessoal intransferível, Torquato Neto

O texto de Torquato Neto, citado uma vez mais por Sérgio Fernandes através das suas pinturas, poderá traduzir o que são estes “Dias Bárbaros”. Um berro, já que quem não se arrisca não pode berrar. Uma exposição de Sérgio Fernandes que reúne somente pinturas a óleo sobre papel? Inédita.

A perfeição habitual dá lugar às imperfeições bem visíveis nestes trabalhos. Intencionais, obviamente. Pinceladas, manchas de cor contrastantes, fundos que avançam e recuam. Irreverência? Talvez. Invenção do perigo, certamente. Como Torquato Neto se refere à poesia, Sérgio Fernandes pinta. Arrisca, coloca-se em perigo em nome de algo divino, maravilhoso.

Confidencia que “Dias Bárbaros” é uma reflexão sobre o tempo, sobre o depois da morte e o antes da vida, condições vividas ou por viver das quais não existe memória. “Dias Bárbaros” é necessariamente o agora. Talvez seja por isso que as suas pinturas sugerem algo que está para além de, algo que não é visível, são uma qualquer passagem.

“Pessoal Intransferível”, “Dad smoking cigarettes in the garden” e “Dias Bárbaros” são pinturas cuja força e impacto não dão lugar à indiferença. Progressivamente esse sentimento vai sendo apaziguado até ao alcance do consolo ou de um sentimento de alívio traduzido por “Romã”, “O pai está cansado” e “Bálsamo” na última sala. Provocação é a inevitabilidade do reencontro com as primeiras pinturas ao sair da exposição.

Em “Dias Bárbaros” Sérgio Fernandes destrói a pintura e explode com ela. Coloca-se em perigo, recria dificuldades. Questiona-se e supera-se. Berra. Todos os dias são dias bárbaros. Perigoso, divino, maravilhoso.
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