Sérgio Fernandes


by Alexandre Pomar, 2009


Para quem não acredita que exista um paradigma conceptual-minimalista (ou minimal-conceptualista?) - e menos ainda, se possível, que tal "paradigma" seja de passagem obrigatória, temos mais um pintor, ou a promessa de um pintor, porque eles se fazem com o tempo e a prática da profissão (e do talento, ou génio). É pelo menos mais uma aparição auspiciciosa, uma estreia brilhante - depois de uma passagem já notada pela última feira de Lisboa.

Pode começar-se seguindo os passos e a influência de um grande pintor, e é o caso. Nuno Viegas, um dos mais interessantes artistas revelados na presente década (n. 1977, 1ª exp. 2002, Arte Periférica), é aqui uma referência óbvia, desde o fôlego figurativo e ficcional até ao uso das tintas como materiais plásticos, matéricos (e são tb algumas mesmas tintas pouco convencionais). Mas afirmar influências, situar-se em diálogo com uma artista anterior e admirado, é uma prova de grandeza, quando se seguem as referências escolhidas com gosto afirmativo, ambição e risco.

Neste caso, nesta pintura, o risco não é só o da invenção de uma situação ficcional e da ambição de figurar, mas também o exercício quase sempre impossível de desafiar a relação convencional entre figura e fundo, vivida não como um interdito, que não é, mas como um desafio, uma proeza. Dentro de uma caixa - o quadro, caixa perspéctica - o que está "fora" de cada crocodilo é aqui já um outro crocodilo, o emergir de outra figura a aparecer-reconhecer e não um "fundo" (paisagem ou espaço neutro ou "ambíguo") de que emerge. Poderia dizer-se que a pintura é aqui uma matéria convulsiva com que o quadro se faz, se vai fazendo no exercício de figurar, e se reconhece na relação do ver. Conheço poucas vezes em que um tal desafio se colocou explicitamente (e não sei se S.F. os conhece).

Outros crocodilos povoam os seus quadros (e já havia crocodilos em queda na arte Lisboa), e também ratos, um leão, sempre com composições ambiciosas onde a matéria permanece viva quando é já figura, representação. Sempre com um humor ágil, que não é caricatura sem serve qualquer literatura.
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