UM BLUE


by Sérgio Fazenda Rodrigues, May 2018


A exposição “Um Blue”, que Sérgio Fernandes apresenta nas instalações do Centro de Artes e Cultura de Ponte de Sor, desenvolve-se com referência às manifestações da luz do sol e alude à expressão que o firmamento adquire.
A exposição é composta por um conjunto de 8 pinturas sobre tela e por um grupo de 48 pequenas pinturas, sobre papel, que assumem uma leitura predominantemente vertical.
De forma cuidada, as obras são trabalhadas na proximidade de um registo monocromático, porém, em quase todas elas, existe um conjunto de manchas e linhas subtis, que apenas se dão a perceber com o passar do tempo, ou com uma atenção demorada. Numa descoberta gradual, percebemos que há uma lentidão que imbui o processo criativo e o seu resultado; cativando o artista e o observador num envolvimento que implica um olhar atento, transversal a quem produz e a quem vê.

Para o artista, essa atenção está presente no modo de executar as obras, levando-as à categoria de um exercício meditativo. Sérgio Fernandes procede à decantação da tinta e recria, passo a passo, o material que emprega. Retirando o óleo em excesso e aproveitando o sedimento (pigmento) que está ainda envolto em líquido (óleo e terebentina), a solução é aplicada sobre as telas, e repete-se um gesto de dispersão, do centro para a periferia. Com o auxilio de um conjunto de trinchas de pelo macio, este gesto repete-se múltiplas vezes, até apagar, na superfície, a inscrição do seu movimento. De forma análoga e com um grau de refinada delicadeza, os elementos que constituem a imagem - os fundos, as manchas, as linhas e os contornos do suporte - emergem, de modo enleante, por camadas. Camadas que constituem a pintura, mas que marcam, também, de um outro modo, a sua orla; deixando um rasto de sobreposição na espessura da tela (da grade).
A pintura surge, assim, pelo que resta de uma acção que é levada ao extremo. Uma acção que, à face, resulta no desgaste que a repetição cria (ou na sublimação a que esta conduz) e que, na espessura (na grade da tela), resulta na acumulação que aí se instaura.
Questionando a pintura enquanto superfície e objecto, Sérgio Fernandes leva a imagem a um outro grau de existência, elevando a sua expressão e o modo como a percebermos. Ao problematizar a natureza da pintura (o que é, onde é, e como ocorre), o artista engendra e apura a tinta, aproximando-se assim, curiosamente, ao âmago e à origem da disciplina.

Para quem observa, a atenção é uma condição necessária à percepção da luz e à forma delicada como esta se manifesta. Nesse sentido, o trabalho de Sérgio Fernandes convida a uma atitude contemplativa, acerca da cor e das suas cambiantes. O que aparenta ser um registo monocromático é, na verdade, uma variação laboriosa de diferentes tonalidades, onde se marca uma gradação feita em torno do azul (do céu), e do amarelo (do sol) que, por vezes, o preenche.
A relação entre as cores e as suas cambiantes de luz, traz-nos ao olhar uma sensibilidade de pendor oriental.
Um estado onde as variações se manifestam, simultaneamente, no bordo e no interior. Na verdade, trata-se de compor a vibração de uma aura que emana da pintura, que nos circunda, e nos seduz. Uma envolvência que, lentamente, transforma uma superfície abstracta num campo mais amplo e referenciado, e nos convida a passar para um outro plano de existência, mais subtil e apurado.

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