Zip Bung


by Flávia Violante, 2011


Zip Bung é apresentado pela Sala do Veado no decorrer do presente mês, uma exposição colectiva onde é dado conhecer o trabalho de onze jovens artistas – Álvaro Brito, Ana Rebordão, Fernando Roussado, Joana Roberto,
João Sousa, Jorge Coelho, Magda Delgado, Paulo Tuna, Pedro Henriques, Sara Bichão e Sérgio Fernandes.

O local escolhido para a exposição demarca-se do restante edifício – Museu Nacional de História Natural – através da fisicalidade de um espaço absoluto e pela brutalidade imposta pela arquitectura, que se expressa principalmente na tradicional rigidez da planta rectangular, em contraponto com o (não) tratamento das paredes. O espaço tem por isso, um forte peso na relação com algumas das peças, prenunciando-se por meio de um papel influente e decisivo quer ao nível conceptual, nomeadamente em Pleno de Fernando Roussado ou em A agonia da Besta de Paulo Tuna, ou ao nível formal, em Univ. Bloc 8 de Sara Bichão.

A Sala do Veado é assumidamente um espaço alternativo, com a devida visibilidade, situado à margem do campo institucional e do mercado artístico, possibilitando o exercício expositivo às gerações mais novas, contribuindo assim para a construção social do valor artístico e validação do seu trabalho. Numa conjuntura em que o meio artístico pressupõe o crescente número de mediadores culturais, curiosamente neste caso devido à escassez de recursos, dá-se precisamente o contrário, esta mostra apresenta-se como sendo absolutamente autofinanciada e sustentada pelo colectivo. A inexistência de um curador, ou do desconhecimento de quem o faz, revela a delegação para o segundo plano desta função, conferindo o devido destaque aos objectos artísticos. O que reclama um exercício de “curadoria necessária”, o próprio título é uma alusão a esta necessidade, remetendo para nada em concreto, ou melhor, aponta para um vasto campo de significados e de acções.

Neste seguimento, a exposição não é pensada segundo um mote limitador, que de uma forma ou outra possa estabelecer as devidas pontes. Zip Bung, tem como direcção principal e objectivo comum a vontade de querer dar a conhecer a um público o trabalho destes artistas, neste sentido ocorre a materialização de uma concepção do artista como indivíduo, e as peças expostas como produto do seu trabalho. Provando a não obrigatoriedade da existência de uma uniformidade ou relações entre os conteúdos das várias peças, sem procurar criar um único discurso expositivo, o que não significa, contudo, que não possam ser estabelecidas leituras. É promovida a coabitação de tão diversos objectos artísticos, de uma forma coesa e harmoniosa, mesmo quando é apresentada uma extensa multiplicidade de media – pintura, escultura, instalação, video, fotografia, (registo) performance, entre outros – obrigando a um inteligente jogo com a rígida arquitectura, dotando-a de alguma flexibilidade, através da manipulação da iluminação tal como o aproveitamento e valorização dos nichos.

Os media enquanto matéria do objecto artístico levanta consigo inúmeras questões, como parte incitadora do trabalho de alguns dos artistas, designadamente a peça Sem título de Álvaro Brito, pondo em causa o valor da fotografia ou Watching machines de Jorge Coelho, onde é proposto um vasto conjunto de máquinas que reproduzem a sua própria imagem, multiplicando-a. Para isso o artista criou um circuito, que pode ganhar com a intervenção do espectador, sendo que um dos seus pontos transmite uma imagem que por sua vez é projectada na parede, criando uma completa nova imagem. Por outro lado, Sem título de Pedro Henriques, desvenda o mínimo ao espectador do incremento do processo técnico – o trabalho sobre mistério/ambíguo – o que envolve também o conceito, formalizado na imagem de um cão duplicado que salta sobre águas turvas, desencadeando imediatamente o questionamento do visível – o confronto entre dois cães ou o confronto entre o mesmo? Numa idêntica linha de pensamento, temos BAB-ILANI de Joana Roberto que propõem um processo de trabalho de difícil descodificação, mas que a própria opta por abertamente dar a conhecer, como fórmula introdutória para a percepção dos vários discursos – a imagem, o texto e o som – de cariz individual, mas interligados nomeadamente por conceitos como o modernismo, a utopia e o mito.

Em pólos distintos, tomando relevo pela sua unicidade, é apresentado por um lado, Transcendência Apolinea I, II, III e IV de Magda Delgado, que coloca frente a frente distâncias físicas e imateriais, de maneira extremamente camaleónica sobre o espaço – numa série de pequenos trabalhos a pastel seco sobre vidro – mas também através do levantar de questões estéticas que estudam o belo, o sublime e o aurático; por outro lado, A chain reaction de João Sousa expõe o espectador como elemento participativo, pelo simples movimento do seu corpo e aquilo que individualmente cada um possa experienciar. Por fim, Eis-me de Ana Rebordão e Sem título (VEJASEJA) e VEJA SEJA de Sérgio Fernandes desenham-se segundo uma carga altamente pessoal, sendo o eu/artista o ponto central do seu trabalho.

Como prolongamento e/ou continuidade do trabalho desenvolvido em exposição foi construído um livro de artista(s), um suporte documental de grande qualidade gráfica, maleável, à vontade de cada um, que possibilita o desdobramento a outros níveis de conhecimento e o desenvolvimento do trabalho artístico, proporcionando ao visitante a possibilidade de poder levar consigo parte do trabalho destes artistas.
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